Parasita e os personagens que o jornalismo me apresentou

Tinha acabado de percorrer os cemitérios de uma cidade. A pauta era sobre o Dia de Finados. Evitei discorrer sobre crenças, os sobreviventes do luto foram o foco. Nem mesmo a morte nos traz a equidade. Buracos que dividem ricos, pobres e miseráveis entre lápides de bronze, rabiscos no cimento cru e a indigência. Parasita, e a tragédia de seus personagens envoltos numa trama de humor ácido e drama visceral, fala das pessoas que o jornalismo me apresentou. Fala de mim e de você, leitor.

A visão periférica do porão da casa da família coreana ainda é mais nítida que a do quarto escuro do cortiço onde morava dona Janette. Lá não tinha janela. A idosa vivia numa cama a olhar fixamente a parede do cubículo esperando a assistência que nunca chegou. Do lado de fora, a vida às margens, e do baixíssimo IDH que contrasta com a movimentação milionária do maior porto da América Latina, que fica a alguns metros de distância.

O desespero da família do senhor Kong ao ver tudo perdido na água da chuva e esgoto é o mesmo dos que passaram a noite de natal contabilizando os estragos de mais uma tempestade, caminhando pelos detritos fétidos de um Brasil que ainda combate doenças causadas pela ausência de saneamento básico. Após engolir o choro e a revolta, no dia seguinte, a diarista, já abrigada em casa de parentes, com vestes doadas foi limpar as janelas do apartamento localizado no metro quadrado mais caro da cidade.

O cheiro do porão coreano é o odor de mofo dos cômodos úmidos de habitações precárias. É a repulsa da classe que compra perfume importado e doa suas usadas roupas caras em forma de caridade para amenizar o peso na consciência. É a indiferença.

Parasita fala dos jeitos que damos todos os dias para driblar as dificuldades e, principalmente, da nossa tentativa de vencer na vida, muitas vezes matando os semelhantes, sabendo que no fim a gente também morre, sempre morre.